terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Greve de espaço


Hoje foi o dia que passou.
Todos viviam sussurrando entre dentes e suspiros: "Vai passar, um dia vai passar."
Eu como boa amante da ilusão dizia que não passaria nunca ou até eu dar meu último sorriso mesmo que em vão. No fundo, eu sofria justamente para não passar.
Então decidi parar de sofrer, experimentar como é ser livre e dona do próprio caminho como essas pessoas que dizem com tanta certeza que tudo passa.
Fechei os olhos, puxei tudo para fora e dei de cara com a saudade. Penso eu que quando a saudade é grande demais se transforma na pessoa. Saudade pra quê? Retruquei em pensamento. Então a saudade foi embora.
Quando ela foi embora saiu o desespero. Saiu tão depressa atrás da saudade que não me lembro de como ele era.
Na fila estava a raiva, dizendo que nunca viu menina mais tola que eu e já não era sem tempo de se despedir. 
Foi quando achei que tudo que me fazia sofrer tinha saído, me sai o orgulho. Dizendo que eu nunca o feri tanto como nos últimos anos e que não voltaria jamais. 
Atrás do orgulho foi correndo o amor. Quando o amor saiu me calei. Ele me olhou, eu olhei para ele e nos tornamos desconhecidos. 

Só depois de algumas horas pude ver que não notei que junto deles havia ido meu sorriso. Como pode alguém sorrir sem ter o que sentir? 
Então passou. Passou tão rápido que o tempo não sabe mais contar.
E quer saber? 
Seria mais bonito se não tivesse passado. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Baseado em fatos irreais

Estava me machucando, então eu pedi para parar. Quando eu falo é uma ordem. Não quero perguntas e nem argumentos contrários, só quero que me obedeçam. Fui criada assim, mimada e com princípios abusivos. Sei que não estou sempre certa mas eu faço o possível para acreditarem que sim. Até que começou a me machucar. Pedi para parar e não parou. Gritei, esperneei, falei que iria me jogar do primeiro prédio de quarenta andares que encontrasse. Nada.
Senti pela primeira vez na vida que não podia controlar alguma coisa. Minha primeira reação foi esperar. Quem poderia ir contra minha palavra e sair ileso?
Esperei tempo demais. Quando me dei conta precisei amputar metade de mim. Mesmo assim ainda se parecia comigo. Cheio de marra e idealismo. Um nazista dos meus sentimentos.
Resolvi usar a outra metade que me restou para recuperar quem havia ido embora. Dessa vez não iria esperar, iria atrás, iria lutar e mostrar que deveria ter parado de me machucar e ficado desde o princípio ao meu lado.
"Viu, você devia ter me ouvido desde o começo." É o que eu iria dizer. Sim, ia ser exatamente o que ia dizer quando ela voltasse. Passei o mesmo tempo de espera, lutando. Perdi primeiro a batalha, depois a guerra e no fim, cai no chão e perdi a metade de mim.
Hoje sou uma cópia, devendo todos os sonhos do universo para aquela menina que jurava ter o mundo nas mãos. Busco da melhor forma pagar as dívidas de um coração partido. Hoje comprei remédio, ontem tinha comprado três barras de chocolate, mas a pergunta é:
- Onde compra amor?
 (...) Nunca descobri.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Amar sem ponto final

Era amor. Repito mil horas depois que era amor. Não era esse amor certinho de filmes e colegial. Era como um vulcão que explodia, queimava tudo e no final deixou só pedra. Podia ser difícil, mas ainda era amor. Digamos que eu não fui a pessoa mais certa do mundo, mas eu sabia amar direito. Do meu jeito meio torto e cheio de dúvidas, afinal, que mulher não tem dúvida? O mais engraçado é que não nunca exigi troca. A única troca que eu me permitia era de olhares. Incerteza é afrodisíaco para quem gosta de desafio.
Deixa no ar, deixa perceber pelo sorriso, pelo carinho.
Quem percebe o que não tem importância? Ninguém.
Era amor pois para ser amor precisa de dois. Precisa de coragem, precisa de desespero pelo colo do outro em dias de chuva. Tem gente que deixa passar o amor só para dizer "Ah, não era amor."
Eu deixei passar. Deixei passar anos, sentimentos, feriados, filmes no cinema e mesmo assim... ainda é amor. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Via de coração duplo

Cheguei em casa como quem chega ao céu. Joguei minha bolsa em qualquer canto da sala e os livros pelo caminho do quarto. Era tanto cansaço que não sabia mais se era físico ou emocional, só precisava não estar ali. Não queria pensar nos problemas, mas os problemas viviam para mim e eu costumo ser uma pessoa responsável. Mas não naquele dia.
Tirei meus sapatos apertados, desabotoei o short e amarrei meu cabelo. Pensei em ligar, mas quando coloquei a mão no celular havia uma ausência. Sempre tinha uma mensagem ou ligação perdida, pois minha rotina nunca deixava perceber uma ligação. Naquele dia só ausência.
Me deixei ser ausente também. Joguei o aparelho no sofá e fui até a cozinha. Me empanturrei de comida: doces, massas, frituras, refrigerante. "Não era fome." Pensei.
Como é que só percebemos que o vazio não é fome, depois de tanto comer? Pensei em voz alta enquanto ligava a TV e passava os canais com a cabeça em outro mundo. Desliguei. Por um momento relutei em me desligar, mas lembrei que o botão estava estragado. "Amanhã eu mando arrumar." Nunca mandei.
Sai horas depois para dar uma volta no parque frio e sem movimento. Havia um carrinho de pipocas parado ao lado do banco mais próximo do lago. O cheiro me lembrava o gosto de sua boca quando íamos ao cinema. Comprei e joguei toda a pipoca para os pombos. "É aí que você deve ficar. No chão e na boca de aves." Dei um pequeno sorriso mas nada que me deixou mais alegre.
Voltei para casa e me atirei na cama, com roupa e tudo. Enfiei a cabeça entre os travesseiros e me permiti chorar. Chorar até sufocar com a saliva, até bufar de incapacidade de mudar a vida, até não sentir mais você.

Acordei no outro dia bem mais feliz e com fome, e hoje já não derramo uma lágrima ou pipoca que seja por você.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O colecionador de amores



Ser adulto é um pouco como ser criança. Joga no amor como se fosse uma brincadeira de pátio no primário. Ganha um álbum de figurinhas que ninguém tem, e logo o colega quer ter um igual. Quando se dá conta, todo o colégio está contaminado pela febre de quem completa o álbum primeiro. Quem será feliz primeiro?

Gasta dinheiro, tempo e paciência para completar cada espaço vazio do peito, ou da página que falta a figurinha número 34. Quase uma chave do coração. Compra vários pacotinhos na revistaria da esquina, aquela onde tem o sorveteiro que vende o picolé de groselha mais gostoso da cidade, ou compra flores, onde todo dia às 18:05 aparece os olhos mais aguardados do dia.

Criança também se decepciona, consegue quebrar a cara. Rasga com tanta vontade o embrulho de sua felicidade e para sua surpresa: Já tem mil figurinhas daquela espalhadas pelo quarto, janela e carro dos pais. Não da pra esconder uma decepção de criança.

Adulto esconde. Acredita que a menina que trabalha ao seu lado tem o sorriso mais belo da cidade, e é pra isso que ele sai todo dia de sua casa para encarar a rotina. Mas continua saindo com aquela à quem não se gosta, não se pertence. Ser grande é aprender a colecionar a figurinha repetida, não da pra completar álbum, isso é coisa de vagabundo. Então nem compra mais. Só tem isso? Então me contento com o que tem. Não da pra ser feliz só se contentando, mas os adultos não sabem disso.

Um dia por querer, um colega da escola joga a figurinha número 34 no chão, meio rasgada, velha e faltando cola. "Já não serve para nada." O menino corre, fica com medo que alguém veja e sorri segurando a figurinha apertada entre os dedos. Volta o mais rápido que pode e abre o álbum e seu estojo com sua cola bastão. É o dia mais feliz de sua vida e não precisou sequer ir à banca se sujar de picolé para ter isso. Simplesmente aconteceu.

Aquela figurinha. Do seu  Pokémon preferido, time de futebol ou banda, não importa. Ele não precisa completar o álbum, as outras crianças correm para trocar suas figurinhas e gastar o dinheiro dos adultos nas bancas. Sempre tem a criança que não completa o álbum, e não é porque ele se contenta como os adultos. A felicidade chega quando acha a melhor figurinha do álbum, mesmo que todos naquele lugar a joguem no lixo.

Mas é que sempre tem alguém, por mais adulto ou criança que seja, que sabe que não se brinca com o amor... ou com um álbum de figurinhas.