quarta-feira, 30 de maio de 2012

Trago de você


Hoje eu pensei em fumar, não é de rir? Eu que sempre fui uma certinha, que te julgava quando aparecia cheirando á fumaça - queria fazer o mesmo. Não sei se pretendia sentir seu cheiro na minha boca, ou seu gosto na minha língua ou aquela liberdade que você dizia ter com aquilo entre as mãos. Sei que eu precisava pensar em você com algo mais concreto, te ter em algo real. Mantive a calma, tenho me contido.

Pensei sozinha por um segundo: Existe droga mais forte do que esse amor? - Tenho me drogado de você, e isso está me fazendo adoecer, enfraquecer, endoidecer. Quem sabe me viciando em cigarro consigo ter um vicio que para em minha boca quando eu precisar. Se eu precisar toda hora, compro duas caixas; três. Não tem pra vender de você em qualquer lugar, já procurei e o que encontrei tá guardadinho a noventa chaves dentro de mim. Um livro, uma história, uma canção, um vento no rosto. É tudo que posso ter de você até que me prove o contrário.

Será que o cigarro me mata antes do que meu coração? Será, será, será. Você me invade dizendo que ser amigos é normal, comum. Que não tem por que e pelo quê não conversamos se passamos bons momentos juntos. Eu quero que você me empurre e diga: chega, já cansei de te ver, te ouvir, te beijar, te comer. Porque se você não quer mais isso eu não vou ter esperanças em te olhar, te escutar, te morder e te abusar. Só que não, ignora minhas vontades como se minha presença fosse importante duas vezes ao ano e não quer me perder.

Precisa de mim? Então para de fingir que tudo é passado e que você não tem vontade que eu fique dentro de você, que eu te tenha na minha língua. Eu não sei sumir, não sei afastar, mas eu sei substituir. Enquanto você permanecer longe, com sua licença, eu vou ir comprar um ou dois cigarros.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

É só vontade de lembrar


Fui até o mercado da cidade fazer as compras de sempre, e me esqueci para quê sai de casa. Essas coisas acontecem, não? Esquecer o que ia dizer, esquecer o celular, esquecer.

Retornei pelo mesmo caminho que sempre fiz, com a mesma chinela havaiana suja da terra do meu quintal. Andava meio perdida, mas ainda em mim. Sabe como é, não sabe? Com a cabeça em outro mundo mas sabendo qual o meu lugar. 

Encurtei os passos, abaixei a cabeça e decidi que não iria voltar para casa. Voltar outra vez com as mãos vazias? Havia meses que sempre trazia comigo apenas mãos fechadas e olhar de quem não dormia há dias. Passei no bar da esquina e comprei alguns chicletes - é bom ter algo na boca de vez em quando - mastiguei dois e continuei meu caminho. Me perdi. Não, não me perdi nas ruas ou nos sinais de trânsitos confusos - apesar de sempre acontecer - me perdi no meu pensamento.

"Ora essa, pra quê pensar, guria? Sabe que sempre se inverte e entra em contradição consigo mesma." Falei sozinha outra vez... Mas preciso falar sozinha, ninguém mais quer ouvir. Eu também não tenho mais vontade de dizer. As coisas andam difíceis e quando eu falo soa como uma pobre menina classe média que não sabe o que diz. Não sei mesmo o que eu digo. As vezes nem sei se realmente estou dizendo, parece mais sussurros, respiração falha.

Parei na escadaria da minha casa. Um pequeno sobrado suficiente para morar sozinha com meus dois gatos. Eu gosto de gatos, dizem que pessoas sozinhas gostam de gatos e nunca sei se isso soa como um elogio ou algo ruim. Entendo como um elogio, a solidão é muito desvalorizada. 

Já estava escurecendo e não queria entrar. Eu nunca quero entrar quando preciso. Quando escurece tudo fica perigoso: as ruas, as pessoas, os sentimentos. Dentro de mim parece que abre um feixe de luz, eu gosto das noites, mas gosto principalmente do pôr-do-sol. Mas sempre esqueço de ir para minha janela assistir, é essa mania de esquecer só das coisas que me fazem bem. Eu sempre esqueço tudo, sempre. Como se tivesse um problema na minha programação que me deixa ignorar o que não deve ser ignorado.

Hoje estava na escada, nem tinha me lembrado do pôr-do-sol e lá estava eu: esperando. Acho que uma das coisas surpreendentes de viver é isso: Não saber que esqueceu, até ver que tinha esquecido. Quando eu era pequena ouvia muito: "As coisas acontecem quando tem de acontecer." Depois que envelheci me pergunto se realmente era essa a intenção do destino: não acontecer nada. 

Uma vida boa. Bom trabalho, bons estudos, livros e amantes. Sim, sou uma pessoa sozinha que gosta de ter companhia. Nunca companhia de verdade. Companhia para jantar, companhia para dormir e até mesmo para brigar. Só não gosto de presença. Ter algo presente perto de mim sempre me faz ter vontade de retribuir, e eu sempre esqueço de retribuir. As pessoas reclamam, reclamam muito. Eu gosto de comer e dormir. Acho que por isso gosto tanto de gatos.

Entrei pra casa. Assim mesmo, com os pensamentos á flor da pele, gosto de hortelã na língua e as mãos vazias.

 Queria ver o pôr-do-sol, mas acho que esqueci.

Ah, mas quem sabe amanhã?