sexta-feira, 26 de abril de 2013

De todos os idiotas do mundo



Se alguém estivesse me observando em cima de um prédio, teria visto a imagem perfeita e patética de um homem vagando pela rua e batendo de frente à um poste. De cima as coisas são mais superficiais, são o que são. Apenas um homem batendo o rosto com toda a força em um poste de concreto.

Já as pessoas que estavam do outro lado da rua, sentadas na lanchonete da esquina, mascando chiclete e observando aquela avenida pouco movimentada às oito da manhã, elas conseguiram ver um homem de estatura mediana, que estava andando de cabeça baixa até ergue-la e se deparar com o par de olhos sorridentes mais entristecidos que atravessava aquela imensidão de carros. Pessoas como eu não levantam a cabeça para prestar atenção no caminho, e por isso dão de frente com o poste. 

Foi assim que me tornei o cara mais idiota do mundo. 

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A gente sempre foi parte um do outro, mesmo não querendo ser.

Acho que comecei a tentar entende-la depois que perguntei o que era mais forte para ela: Sentir saudade ou sentir falta. A resposta veio como quem não sente nenhum dos dois:
 - "Saudade."
Passei minha vida inteira procurando alguém que conseguisse entrar em uma discussão comigo e saísse sem perder. Entendo que sentir falta é mais forte, mais bonito. Sentir falta é quando já não há com o que preencher o vazio, saudade é quando tem para o que voltar. Me pareceu que ela nunca sentiu vazio algum para conseguir explicar uma pergunta tão simples.

Demorei a entender que seu jeito desligado era sua melhor parte. Quando estávamos com amigos e conhecidos, sempre foi radiante, os mesmos olhos sorridentes que me fizeram bater de frente ao poste. Quando ficava só nós dois, seu jeito era de quem não tinha muitos motivos para sorrir, apesar de perceber que ela estava onde queria estar.

Com o tempo percebi que havia ficado tempo demais ao seu redor, e mesmo assim, não queria sair de perto. Somos iguais, mas tentamos nos iludir sendo opostos. Enquanto subo a escada, ela pega o elevador descendo - mas o importante é querer se achar.

Ela não me queria. Essa era a única verdade. Continuava perseguindo essa vontade dentro de mim como se fizesse algum sentido. Não podia desistir, e por isso continuei batendo de frente com vários postes até conseguir um lugar fixo que me fizesse não ter medo.

Passei a não ter medo. Passei também a querer ir embora por qualquer motivo, qualquer razão. Nunca teve sequer uma razão que me fizesse dizer que não valia a pena. Estar com ela valia tanto a pena que esquecia de como era a vida fora do nosso mundinho. Nosso mundo tão apertado e cheio de discussões pela manhã.

Quando chegou o dia dela partir, ir embora passar o tempo, que antes gostaria que fosse meu. Quando chegou esse dia, percebi que as pessoas são o que são, não o que a gente imagina delas. Nessa de imaginar que por ventura, por obra de algum destino ou força de vontade, tudo iria se ajeitar e ficaria, em fim, no lugar, perdi o final da história que nem sequer havia começado.


Sou o cara mais idiota do mundo, pois só o cara mais idiota do mundo consegue achar alguém tão igual para se viver e mesmo assim, não conseguir ter vivido nada por medo.


domingo, 21 de abril de 2013

Máquina de pensar



Teve um tempo em que vivia de poesia. Hoje não sei mais poetizar.
Não existe tristeza maior para um poeta do que não saber o que escrever.

É só vazio da mente. Coração sempre esteve vazio, ora essa.
Não saber para onde viajar pelas linhas enrijecidas do cérebro. Não há mulher que preencha esse jovem velho que anda por aí sem consultar o relógio. Não há sentimento de mulher que me faça querer tirar o pijama, passar um perfume e tirar minha bicicleta da garagem.

Tenho um emprego meia boca que da pra sustentar meu vício de chocolate aos fins de semana. Minha bicicleta é lavada todo mês e troquei as rodas dela semana passada, agora são de aço. Não preciso de muita coisa, só de um pouco de poesia.

O tempo anda ruim para quem vive de pensar. Não há muito o que se pensar e as pessoas estão começando a me passar um tédio desconfortável. Meu mau humor está tomando conta até mesmo da minha cozinha. Veja só, o tanto de louça para lavar. Talvez eu também precise de um banho, mas não vou me levantar desse sofá, é sábado.

Meu telefone toca pelo menos cinco vezes a cada hora, ainda bem que existe o modo silencioso. Podia existir isso fora de aparelhos eletrônicos, como, por exemplo,  nas pessoas. Elas falam muito e eu gosto apenas de ler. Deve ser por isso que escrevo, não preciso ouvir minha voz nessas letras miúdas de computador.

Gostaria de ter uma máquina de escrever, mas teria que parar de comer chocolate aos finais de semana e economizar para ir até um antiquário. Onde já se viu, uma coisa tão antiga, e tão cara. Pensei em quebrar meu cofrinho mas descobri que não tenho jeito para quebrar as coisas. Provavelmente vou tentar colar novamente, não sei deixar nada aos pedaços, é difícil ficar olhando para aquilo depois.

Deve ser por isso que nunca me olho no espelho.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

O dia que ganhei um coração



Antes de você chegar, faço as contas de quantos suspiros já dei da cozinha até o quarto. Vou ao banheiro, me olho no espelho, abro a geladeira de duas portas e mais parece que estou abrindo um buraco negro e tentando sair de todo esse frio que meu corpo produz do estômago até o começo da espinha. Tento não deixar a casa organizada demais, afinal, sua chegada nem é tão importante assim para limpar tudo. Sujo dois pratos comendo o resto da comida chinesa e um pedaço da minha fracassada torta de limão da noite passada. Pronto, o telefone já pode tocar.


Oito horas e dois minutos. Pontualidade britânica se não fossem os dois minutos em que ficou dentro do táxi esperando a máquina do cartão finalmente passar. Desço e espero com um sorriso de lado, sorrisos assim te irritam, mas é melhor do que mostrar os dentes. Abro todas as portas da minha casa e falo para esperar no sofá enquanto vou mexer em alguma coisa na cozinha. Nunca mexo em nada. 

Volto e lá está, olhando para o mesmo quadro que sempre encara quando te faço esperar. Tento fazer alguma piada, perguntar alguma coisa, mas sempre é como se tudo estivesse bem. Nunca sei se realmente está, mas olho pra baixo e finjo estar com fome, só assim concordamos em algo e nos olhamos dentro dos olhos. 

Conseguimos ficar em silêncio a maior parte do tempo sem nos sentir desconfortáveis, mas sempre estamos. Reparo que o seu cabelo está preso com uma presilha diferente e sua unha com o esmalte descascando. Não tem muito assunto, sempre a mesma coisa, sempre a mesma certeza de que não precisa dizer muito pra se sentir bem.

Meu telefone toca.

A voz do outro lado diz que acordou querendo me ver, mas digo que estou com uma amiga assistindo filmes e semana que vem a gente marca alguma coisa. Desligo o telefone e já não lembro quem era. Volto a encarar a presilha presa em seu cabelo bagunçado e acho aquilo a coisa mais linda do mundo, mas não digo. 

Ela diz que pareço um homem de lata, fingindo ser de aço mas no fundo só quer ter atenção e um coração. Eu digo que ela é um leão covarde que pretende ser o dono da selva, mas na hora não tem força pra aguentar a pressão. Brigamos a noite inteira por causa de uma comparação boba com o filme "O mágico de Oz", e quando parece que finalmente um vai ignorar para sempre a outro, aparece um sorriso aberto e um empurrão que deveria ser um abraço. 

Sempre dormirmos na metade dos nossos planos. Nunca assistimos todos os filmes, ou comemos todas as comidas que pedimos. A gente tenta não dormir, mas sempre cochila nos intervalos. É a hora que se levanta e vai embora. Chama o táxi, despede e agradece sabe-se lá pelo quê. 

Ela entra no táxi e meu sorriso de canto vira um sorriso entre dentes, mas ninguém vê. 

Finalmente o homem de lata ganhou um coração.

E é uma ironia ela não saber... que é todo dela.