terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Aluga-me



Tem quem diga que sou só mais uma casa abandonada no bairro desta cidade com pessoas desertas. Quem sabe essas vozes dizem a verdade, talvez a verdade não exista por aqui.

Fui construída anos atrás, por um senhor de barba branca e olhos cor de mel.  Quando ele capinou o último canteiro de terra fiquei triste em saber que nunca mais o veria. O ser humano tem dessas coisas: constroem mas não querem morar. Com o passar do tempo muita gente vivia dentro de mim, mas todas iam embora. Descobri que não era eu o problema: pessoas sempre querem partir.

Passei a não me importar se eu seria uma casa bonita, com um grande jardim e flores na varanda. Quando alguém queria me visitar para comprar, não deixava mais minhas janelas abertas e a grama verde, só um ou dois gatos deitados no tapete da entrada. Algumas crianças jogavam pedras nos vidros, lixo no quintal e seus pais não se importavam, afinal, ninguém mora ali.

O único momento em que sorria era pelas manhãs. Os pássaros repousavam sob meu telhado e cantavam até sentirem fome. Algumas vezes eles ficavam até felizes pelos insetos que encontravam nas telhas. Com os pássaros eu podia ser quem era. Quando iam embora, gostava de me divertir olhando as pessoas indo para suas casas almoçar. Sentia falta do cheiro da comida fresca entrando pela minha madeira da entrada frontal. Tem quem não saiba, mas as casas se alimentam do cheiro e se esquentam do fogo das lareiras.

As casas novas, e isso era fácil de se notar, possuíam uma leveza por saber que todos desejavam viver nelas. Quando uma casa é construída não sabe nada sobre móveis, decoração, ou o que é alguém chegar cansado do trabalho e simplesmente se sentir no melhor lugar do mundo.

A tristeza que carrego é por saber que pouca gente nota que também possuo uma leveza particular, onde o sol bate e a lua reflete na vidraça do quarto. Já enfrentei muita briga onde nem sempre a mala continua no armário e o cheiro de roupa guardada é trocado pelo meu piso úmido de lágrimas. Só que já vi um sorriso quando a mala volta pro lugar e um abraço mostra ser mais forte do que gritos espalhados pelos meus corredores.

Ninguém quer ser ou morar em uma casa abandonada. Tristeza assusta a metade das pessoas que conheço. Algumas tem medo de ratos, outras suspeitam de fantasmas, umas dizem não saber lidar com mofo. A verdade é que ninguém mais sabe lidar com situações e ambientes fora de sua zona de conforto, onde precisam ser o que não são e fingirem ser felizes com isso.

Posso até ser uma casa velha e antiquada, mas até um senhor de barba branca e vestes rasgadas pode me deixar reformada e feliz.

Mas e as pessoas, o que faço com elas?