sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A gente não sabe dizer adeus




Cresci em uma família onde o amor era cantado em sambas e discos de LP. Tudo que era para ser aprendido e estudado sobre o tal amor, observava nos olhos de meu avô, enquanto olhava para a rua sem movimento e tomava sua cerveja de domingo.

Minha avó dizia que as músicas serviam apenas para alegrar as noites em salões de dança, mas meu avô nunca saia para dançar. Quando a música invadia a casa, todos os netos e filhos sabiam que era hora de sair dos quartos e acompanhar os passos acelerados de minha avó levando azeitonas e azeite para acompanhar a cerveja na varanda.

A tristeza de ser criança é que observamos o mundo com olhos novos e nem sempre temos explicação para isso. No sorriso daquele homem sentado na varanda, se passavam as letras das músicas, os dias em que pegou na mão de minha avó e beijou na frente do portão. Rugas de antigas namoradas que não viu envelhecer, tampouco sabia onde estavam. No sorriso de meu avô, com a agulha da vitrola arranhando o disco, se passava o tempo.

Anos depois, assim que meu avô morreu, a música continuou. 

Minha avó deixava ela por todas as partes e confessou não ter mais idade para ir em salões de dança. Como se confessasse ao mundo, que não havia mais motivos para se alegrar.

Hoje, nos olhos de minha avó, consigo ver as rugas de meu avô, a época em que namoravam de mãos dadas no pátio da escola e se beijavam em frente ao portão. Enquanto toca Noel Rosa, consigo sentir o cheiro de peixe assando no forno e percebo vidros de azeitona e azeite fechados na dispensa. 

Tento não sair de perto, mas toda vez que percebo em seu olhar as lembranças de meu avô, pergunto se não quer que vou até a padaria comprar pão.

 Lembranças precisam de solidão.

O amor nasce em todo lugar. Em uma rosa morta no chão que vai para o cabelo de uma menina. No suspiro nervoso e na vontade de desistir ao dizer "sim" na hora do casamento. O amor está até mesmo nas canções e histórias tristes do passado. 

O amor está em cada letra de música que consola um coração como o de minha avó, que após cinquenta anos de casada, teima em repetir os versos da mesma música ecoando pela casa vazia.

"Naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele, tá doendo em mim."

Dói em mim também, minha velha. Dói em mim também.




quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Te deixei passar



Te encontrei na rua semana passada e pensei em dizer olá. Passos tão despercebidos, cigarro na mão, rosto maquiado provavelmente desde cedo.

Entrei em uma banca de revistas e fiquei segurando a mão fechada entre o peito. O dono se assustou e perguntou se alguém havia tentado me assaltar, apenas respondi que minha asma atacou e precisava de um lugar para sentar.

Não, nesse dia você não estava com ele. Andava dona de si, talvez procurando seu carro estacionado em algum lugar onde não se lembrava. Quem sabe com duas ou quinze mensagens dele perguntando onde você está e querendo saber sobre o seu dia. 

Em que momento você deixou de querer saber sobre o meu?

Penso que talvez ele não queira empurrar receitas estranhas sob sua mesa e faça apenas macarrão com salsicha que é seu prato preferido. Nunca te fiz macarrão com salsicha, não é? Jurei que teríamos tanto tempo. Vai, não mente, cê também jurou.

Há um ano nesse mesmo minuto estávamos prontos para nos conhecer. Com dentes limpinhos e sorrisos tímidos. Como aquele riso que te vi entregar no dia em que fui na sua casa pela primeira vez, onde derrubou todos meus dvds no chão e encurvei os lábios como se tivesse conhecido a menina mais linda do mundo. 

Sofri sem a gente demais.

Sofri porque não podia mais te levar pães de queijo todo domingo. Sofri porque enfiei a saudade goela a baixo com tequila e tequila sempre me fez vomitar, mas dessa vez não vomitei. Acordei com febre e suor tantos dias e me arrastava até a maleta com os remédios para dormir a tarde inteira e não sentir dor. Noutros, o frio era tanto que vestia os casacos empoeirados e limpava cada gota de água que saia do meu olho com aquela poeira e sequer me importava.

Sofri porque mandei mensagem dizendo que não era justo o que o mundo fez com a gente, e tive como resposta a sua preocupação em não aguentar ver ele sofrer ao imaginar te perder, e por isso era melhor que eu sumisse de vez.

Sumi. Sumi devagarinho. Em cada esquina que vi apertarem a mão forte e em que apoiou sua cabeça no peitoral dele.  Sumi todas as vezes em que um amigo olhou pro lado quando falei seu nome e sumi quando percebi que no lugar da cama onde te abraçava, agora só me resta roupas usadas que não tenho a menor vontade de lavar.

Sumo quando sinto saudades. Quando te vejo andar na rua e preciso me esconder em uma banca de revistas para não chorar na sua frente e pedir explicação pela décima vez. 

Te ouvir dizer pela décima vez que não tem explicação.


Pensei em dizer olá, mas ao invés disso, te deixei procurar seu carro, dar partida, e passar pela banca de revista. 

Não quis causar problema, vai que ele fica sabendo e sofre?



quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Amor não tem Ex




Hoje estava limpando sua parte do guarda roupa e encontrei uma camiseta minha em sua gaveta, o que não faz diferença pois tudo que é meu, era seu.

Sentei na cama indignado por não ter tirado tudo da gaveta e questionando se na verdade fiz de propósito para caso voltar, ter algo para vestir. Dormir sem roupa era uma coisa minha, você sempre gostava de usar camisetas largas mesmo no calor.

Pensei em mandar alguma mensagem perguntando se o tempo quente continua atacando sua gastrite e por isso precisa dormir no quarto da sua mãe com o ar condicionado. Se as noites de insônia, palheiro e música continua te fazendo ir para a janela toda noite olhar para a cidade meio parada, meio acesa, meio sem a gente.

Até quis te mandar uma receita que vi na GNT de um folheado incrível que faria passar a noite reclamando que te faço comer demais, mas não saberia viver sem nossos jantares na varanda aos domingos. Te recomendar um vinho que descobri sem jeito em um jantar de família, e quase roubei para beber escondido na sua casa de madrugada.

Comecei a me perguntar se continua estudando todos os dias pelo menos uma hora e se sua gata ainda esconde quando chega visita, mas quando pegamos no sono, amanhece em cima da nossa barriga. Me perguntei até se essa história de terminar de uma vez por todas não soou como babaquice em sua cabeça, afinal, o que foi mesmo que aconteceu com a gente?

Se aparecesse agora provavelmente iria me esconder. Desligar telefone, trocar endereço, calar o coração com o silêncio do pesar dos dias sem você.  Se voltasse para mim neste instante, diria que não lembro das suas manias e não resta nada seu pelo meu apartamento.

É que na realidade, cê nunca foi embora de verdade, sabe? E enquanto ouço falarem que é só mais uma ex, meu coração te lê como atual.



Como explicar isso tudo pra você, se tudo o que nos restou foi essa camiseta?



segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Pode pagar com amor?




Quando a gente cresce o amor não paga as contas.

O amor dos meus pais pagou minhas dívidas até sentirem vontade de rodar a Europa juntos em eterna lua-de-mel. Fiquei com o apartamento e dois cachorros. Apartamento não enche barriga e compra produto de limpeza, até mesmo os baratos, e xixi de cachorro não sai tão fácil como todos pensam. 

Por incrível que pareça as roupas não aparecem dobradas depois de lavar e o presente de Natal da minha namorada não surge como mágica embaixo da árvore. Como minha mãe pôde ir embora e esquecer de me passar o número da loja que a Débora gosta? Qual é mesmo o tamanho que ela veste? Acho que deve ter aumentado dois números. Débora deu uma engordadinha e ficou a coisa mais linda do mundo, mas mulher sempre acha que o "tal do homem" engana, não é mesmo? Talvez esse ano dê até chocolates de presente!

Arrumei um emprego mês passado! Tô orgulhoso demais! Pena que o dinheiro que sobra não compra mais que duas caixas de cerveja e oito camisinhas. Melhor diminuir a cerveja e comprar mais preservativo, acho que alimentar um filho é mais caro do que dar ração para o Rupert e a Lisa. 

Aliás, nunca passou pela minha cabeça que um pacote de ração é tão caro assim. Etâ diacho, quando emburrava com a mãe pelo safanão de não ter levado os cachorros para passear. Dizia que essa era minha única responsabilidade na vida e daqui uns anos iria sentir saudade. Tava certa, ô mulher que sabia cuidar desta casa. Homem é lerdo, sabe cuidar de tanta coisa assim não.

Minha namorada disse que amadureci demais depois que aprendi a comer pão com ovo pra não dormir com estômago roncando de fome. Não discordo, amor dela não paga as contas, mas me faz um bem danado,

Depois que a gente vai morar sozinho aparece amigo demais no apartamento, mas também desaparece vários quando a dispensa está vazia e o bolso furado. Vez ou outra o Fábio, meu amigo de infância, surge com uma carne e macarrão! O amor dele não paga minhas contas, mas sabe me encher de orgulho! Até dou conselhos sobre mulheres para ele, onde já se viu. Rapaz gordo e peludo como eu ensinando para o Fábio como impressionar meninas. 

Sei que tudo anda apertado e o país está nessa onda de crise, mas Débora disse que aceitaria comer pão com ovo todo final de semana só pra ficar ao meu lado assistindo esses desenhos que ela jamais vai entender. 

Minha mãe liga toda segunda para saber dos cachorros e perguntar se aprendi a fazer arroz soltinho, E o Fábio sonha em se formar e abrir um escritório comigo! O cara tem grana, mas sabe fazer valer o talento de não dar importância para dinheiro. Tem gente que sabe se valer a pena. 


O amor não paga as contas, mas que te faz ser rico pra caramba, ah, como faz!

sábado, 15 de agosto de 2015

E se quiser falar de saudade?



E eu que não consigo te esquecer, me distraio com a previsão do tempo, com um jornal da semana passada que ficou jogado em qualquer canto, enquanto procurei ser feliz sem você. A verdade é que consegui ser tão feliz sem você, que me doeu. Doeu saber que nas horas vagas, não procurava mais seu cheiro, e sim um lugar qualquer para descansar. Doeu quando percebi que não doía ao te ver sorrindo em outro lugar, além daqui. Quis que voltasse todos os dias, voltasse aos pouquinhos, como se tivesse com medo de encontrar meu coração diferente, mas sabendo que no fundo tudo estaria igual.

O orgulho nos fraquejou. Nos comeu vivos e não conseguimos sequer lutar ao nosso favor. Onde está o amor nessas horas? E a resposta vem como um tiro: Ainda está aqui. E eu que não consigo te esquecer, passo meus dias entre livros e poeira, entre sorrisos e paixões. Isso não anulou sentimento, minha menininha. É o que sempre achamos que seria. Um privilégio. Sorte grande de uma vez na vida. Com sorte não se brinca, deveríamos ter levado o amor mais à sério. 

A verdade é que não quero te esquecer, não quero beijar as bocas que beijo ou sentir meu coração se alegrar de novo. Minha alegria ao te amar não morreu, meu bem. O que morreu foi só o seu amor quando decidiu sem olhar nos meus olhos, fazer as malas e partir. 

E que falta de sorte a minha. Mesmo sem malas prontas e beijo de despedida, fui correndo atrás do seu vagão acelerado. Sem saber que o meu destino, era partir junto.



segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Parte Que Me Falta




Hoje fui até meu pote de comida e não havia ração. Mais uma vez minha dona se esqueceu de colocar antes de sair. A verdade é que já estou há algum tempo te esperando aparecer para dizer algumas coisas que estão engasgadas junto com as bolas de pelo na minha garganta. Só que é, eu sei, sei que não vai abrir a porta amanhã ou depois, por isso preferi vir pessoalmente te falar.

Ultimamente anda complicada as coisas lá em casa. É roupa jogada para todo canto, e falta petiscos toda semana. Todo dia alguém novo aparece e tenho de me esconder, se lembra como sou uma gata assustada, não lembra? Algumas dessas pessoas conheço há algum tempo, mas outras sequer sei se minha dona conhece, e confesso que nessas horas queria ser um cachorro para latir até expulsar quem quer que seja da minha casa, e te mandar voltar.

Quando essas pessoas vão embora, faço o possível para não a deixar sozinha.

Tenho de dizer que não é só ela que sente sua falta. Sinto falta de quando me abria a porta para dormir com vocês, e a forma que sempre me deixava ficar no meio. Gosto do jeito que ensinou ela a dizer meu nome no diminutivo e dos dias que a fazia ficar em casa mais tempo só para dormir. Sinto falta também do cheiro de comida que a casa tinha quando você existia por aqui. Agora só permanece enlatados e sacolas com entregas de todos os restaurantes da cidade.

Sou acostumada com abandonos. Sou uma gata de rua e fui abandonada por tanta gente. É o que tento dizer para ela quando não saio de seu lado e fico a olhando atentamente.

"Uma hora alguém te adota, vai por mim,"

Sei que ela me entende pois sempre me aperta forte quando a encosto. Acho que acabamos nos adotando desde que você foi embora.

Ela costuma dizer que uma hora vai passar. Que vai trocar o perfume que usa pois sabe que era o seu preferido, e por isso passou a usar só ele. Não entendo muito bem quando ela fica olhando atentamente para um ponto fixo no teto, sempre acho que é alguma mosca e que posso me divertir tentando fazer dela meu lanche da tarde, mas é só o teto. Sei que gatos não entendem muito bem os humanos, mas isso não é normal, é?

Tudo bem, não precisa dar explicações. Ela me disse mesmo que um gato nunca entenderia um coração de gente, ainda mais gente grande. Só vim aqui para dizer que desde da sua partida, minha casa não é a mesma, e minha dona tá partida ao meio. Metade dela deve estar por aqui, se importaria de procurar? Prometo que venho algum dia buscar sozinha.

Peço que não a entenda mal por todas as vezes que a cabeça esquentou, e te pediu para sumir. Tem dias que bagunço toda a caixa de areia e ela me pede para desaparecer, mas pouco tempo depois tudo se resolve. É uma pena tudo ter se resolvido com você indo embora de vez.

Está ficando tarde e talvez ela já tenha chegado, torço para que o pote de ração esteja cheio.

Mas caso não esteja, pode me dar um pouco de ração da sua gata?

Prometo que devolvo assim que vier buscar o pedaço da minha dona que ficou largado por aí.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Só mais um dia ruim




Calma, cara.

Não deu tempo nem de procurar os óculos antes de ler que preciso juntar suas coisas e já está na hora de ir embora. O que eu faço com a garrafa de bebida que deixei no carro para te entregar no dia seguinte, e com as reservas do hotel na frente da praia que insistiu tanto? Nunca quis um quarto de frente para a praia, só precisava da cama e um espaço qualquer para suas roupas caras não se amassarem.

Foi alguma coisa que falei na semana passada? Lembro que comeu seu jantar tão calado e fiquei tentando puxar assunto sobre uma daquelas suas bandas favoritas, mas só me disse que tinha o CD e não era tão legal assim. Seu jeito de moço sério e sonhador ainda vai me destruir.

Cara, é sério, calma. Não entendo nada do que diz e pelo visto não sou só eu. Vamos viajar pra algum lugar só nós dois, comprar alguma velharia que dizem ser mística e pedir para algo além do amor proteger a gente, já que o amor parece tão frágil agora. Não me deu tempo nem de te ensinar a dirigir e de te mostrar o mundo com os meus olhos. Vai por mim, livros e filmes são divertidos, não tenta fugir antes de te mostrar que meu escritor preferido, sempre vai lembrar nós dois. Com o que diabos vai se lembrar de mim agora?

Pra quem vou explodir quando meus gatos derramarem toda a areia no banheiro e só quem entende o tamanho da bagunça é você, que sempre deitava esperando que limpasse logo para a gente tomar banho e sair. Tenta lembrar disso tudo, quem sabe seja o que está faltando na gente, lembrar.

Não me deixe perder a paciência e procurar na minha agenda mil outros rapazes que inventariam outro planeta para sair comigo. E, se de repente, alguém me achar especial e decidir ocupar o seu lugar, qual vai ser sua desculpa? Indecisão não enche coração de ninguém, e nesse caso, enche meus olhos de água.

Tá, tá tudo bem. Pode deixar que jogo sua escova de dentes que comprei no lixo e envio o seu casaco por correios. Se não sabe mais o que fazer aqui, não será minha saudade que vai te implorar para ficar. Ir embora é sempre mais fácil quando achamos que é uma decisão boa para os dois. Seu coração é fraco demais para enxergar além de um dia ruim, então continue a acreditar que será melhor para meus olhos, ouvidos, perna e pescoço ficar dia após dia sem te ver chegar.

Cara, vai em paz. O CD do Arctic Monkeys ainda vai continuar no meu carro e meus amigos vão continuar me dizendo que a gente não era pra dar certo. Nada vai mudar.

Só que quando a saudade do lado daí bater, será minha indecisão que não vai querer te ajudar.

Afinal, vou passar o resto dos dias me obrigando a entender que ir embora é o melhor para os dois.



-

Texto para um dos meus amores que sei, nunca há de ir embora, Igor Rodrigues.



quarta-feira, 1 de julho de 2015

Deixe as luzes acesas




O aeroporto estava lotado de horários marcados e roteiros atrasados. Ia pegar o avião para Guarulhos mas novamente o receio de embarcar. Verifiquei uma ou duas vezes se era por esquecimento. Carteira no bolso, passagem no blazer, malas fechadas e não, tudo ali. Quem sabe fosse um daqueles dias em que um ônibus parecia mais seguro, só de estar ali, navegando em terra firme.

Não sou um homem acostumado a viver sob regra do destino. Nem mesmo sei se acredito em destino. Estamos vivendo dia após dia em um efeito borboleta constante, não adianta culpar Moros por cada passo em falso no qual tropeçamos.

Fui casado duas vezes. Quando me perguntam com os olhos calibrados de pena se fiquei mais desiludido com o amor após os anos seguintes, solto um sorriso. Nunca sei o que dizer. Não sabia o que dizer sobre o amor até mesmo antes de me casar, e naquela época, no qual Legião Urbana estava no auge do seu sucesso, só passava em minha cabeça a resposta: "Eu só queria estar ali, sempre ao lado dela, eu não tinha onde ir."

Quando ela me deixou, minha juventude ainda existia. Foi fácil entender que seria passageira a vontade de arrancar o tórax por falta de ar no peito. Era só mais um camundongo velho passeando nos becos sujos de esgoto da cidade de São Paulo. Olhando meninas nos olhos e virando uma dose de 51 em seguida. Comecei a questionar se o amor na cabeça das pessoas, era a tal ausência de solidão. Quem te tira a solidão pode ser quem te faça feliz? É o que todos achavam.

Minha segunda esposa tinha pavor de avião. Sempre viajávamos de navio ou carro. Penso que se separar de alguém não te impede de viver para sempre com a sombra dela em sua vida. A convivência te traz partes de uma personalidade que a outra pessoa molda, e é só dela, mas acaba se tornando sua também. Sei que avião é seguro, mas ao sentar no banco, contei até dez e já verifiquei se o calmante estava no bolso de trás da calça.

Dessa vez em que me casei, ninguém perguntou se o amor era importante para mim. Só um louco casaria pela segunda vez com a mulher errada. Colocava meus Cd's do Renato Russo e a fazia ouvir todos os sábados, enquanto uma garrafa de vinho branco fazia residencia em nossa mesa. Me trazia torradas pela manhã e gritava quando o gato dormia em cima das suas roupas no armário. Seu sorriso apertava suas bochechas e os dentes pareciam brilhar mais do que os olhos. Casar não é fácil, ainda mais pela segunda vez. Lutar por algo que se gosta, não é fácil, nem que seja a oitava vez.

Prefiro não acreditar em destino. Prefiro não suportar a verdade de que algo além do meu controle fez minha segunda esposa morrer em um tempo qualquer. Onde nem ao menos pude dizer que foram suas calcinhas penduradas no chuveiro e seu cabelo esparramado na cama todas as manhãs, que me fez deixar de lado o medo de temer o amor. Quem sabe se tivesse deixado para fazer a surpresa das flores um dia antes, ou mentisse que estivesse doente para não trabalhar e passar o dia com ela, a morte não apareceria de surpresa e tiraria duas vidas assim tão facilmente. Quem permanece vivo também morre e o mundo me pegou em uma só fisgada.

Não pretendo me casar novamente. Quem sabe adote outro gato e compre novas garrafas de vinho. Continuarei dormindo todas as noites ouvindo ela cantar em meu ouvido sua música preferida.

Onde a abraçava forte, e dizia que já estávamos distantes de tudo,

pois nós temos todo o tempo do mundo.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Eu te detesto





Te vi entrar no altar sem pensar em impedir o casamento. Tudo já foi decidido antes no cartório, pensei. Só o que se passava na minha cabeça era que talvez aquele fosse o momento de jogar o pó de café fora, e comprar novos sachês de chá. O pó até vencido estava, mas não custava guardar. Logo pensei em comprar uma cama menor, meu gato havia se acostumado a dormir sempre do seu lado, e agora não encosta mais em mim pelas noites. Cansei de abraçar o travesseiro, quero ao menos meu gato de volta.

Detesto. Detesto sua mania de ir embora antes de chegar a sobremesa no restaurante, e detesto seu jeito de pedir com que eu aguente ficar mais algumas horas dançando sem me sentar. Detesto tudo que faz, e tudo que me impediu que pudesse fazer por nós. Seu jeito de controlar os sentimentos dos outros apenas com sua superioridade intacta e suas palavras mesquinhas.

Detesto você.

Agora não é mais problema meu, disse aliviado enquanto chutava uma tampinha de cerveja jogada na porta da igreja. Quem diria que amor se acaba com o tédio. Rouquidão do peito. E, por Deus, existe antibiótico para decisão alheia?

A vida não é um longa onde após me sentar no banco da praça, chegaria uma mensagem dizendo que talvez fosse uma escolha errada, e que não viajaria para a lua-de-mel. Chegou mensagem sim, mas de alguém chamando para beber em um bar qualquer. Bebida não resolve nada, ainda mais pra quem se ilude com a ideia de que perdeu tudo.

Já falei que detesto tudo que faz?

A indiferença é o menor dos problemas, o que está errado é você sentir falta de outro sorriso enquanto é o meu que se perdeu. Transfusão de amor nos dias atuais parece não ser tão caro de fazer, quem sabe não dê entrada na minha.


A verdade é que apesar de todas as coisas boas ainda rodearem minhas mãos, pernas e pescoço. não é mentira quando digo que te detesto. Não senti nada ao te ver entrando no altar vestida com um sorriso amargo de quem não tem pendências deixadas para trás. Não doeu nenhum pouco abrir a lata do lixo e jogar fora os desenhos que me fez e a sujeira que me deixou. Não há dor. Não há você.

De coração fechado, digo que talvez não houve despedidas pois você já havia se despedido quando beijava minha boca e dizia que me amava olhando para baixo. Detesto saber que tomou uma decisão por nós dois.

E sabe de uma coisa?

É um alívio saber que foi com ele que subiu ao altar, já que descobri que detesto tanto você.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Terminei indo



O vazio de ir embora antes da hora é uma solidão que se paga à vista. Perfume dentro do frasco, que deveria ir para o travesseiro. Carinho na hora de dormir, substituído por um copo de cerveja. Dentes, dedos, pescoço e virilha. Todos novos. Ir embora antes da hora é como recitar para si mesmo que uma hora tudo há de ficar bem.

Quando a gente decide que o melhor é ir embora, sempre fica uma palavra não dita na garganta. Uma vontade de perguntar nas noites de insônia como anda a vida, se continua esquecendo de tirar a lente antes de dormir e se já sabe cozinhar coisas novas. A gente nunca pergunta. Ter orgulho é mais cômodo do que enfrentar o amor duas vezes. 

Odiar a distância. Odiar saber que se um dia aparecer na porta da sua casa, nada será dito, e há tanto para se dizer. Odiar, principalmente, saber que até os amigos dizem não ser certo voltar atrás, e talvez seja hora de encarar que algumas pessoas tem sorte, e a sua apareceu antes da minha. 

Saber que não há culpado afinal de contas, mas sempre resta um pouco de culpa. Gastar toda a poupança em viagens, pois dizem que talvez é melhor sair um pouco da cidade e enfrentar o mundo com os pés no chão. Sentir, no fundo do peito, que não deveria escutar o que querem que a gente sinta mas mesmo assim, a gente escuta. Por medo. Medo de voltar atrás, medo de chorar, medo de provar pra si que mesmo com todas as noites na rua e amigos em volta, nossa casa era melhor. A gente era melhor.

E mesmo com tudo sendo perfeito e todos afirmando erroneamente e até o fim que o destino quis assim, seu coração acabou me mandando ir embora, e enquanto à mim? 

Sofri, desesperei, gritei e implorei, 

mas no final,

terminei indo.




(Ao som de Leave the bourbon on the shelf - The Killers)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Tudo o que nos restou



A gente se esbarrou pelo mundo e fingiu entrar em um metrô lotado sem anotar o telefone um do outro. O mais difícil de conseguir falar sobre a gente, é que tudo se embaralha e vira esse jogo onde não se tira nenhum truque das mangas.

O que tira é cada pedacinho nosso na rotina. O que muda é o meu lado da cama, que agora é dele, e também é outra cama. Não faz mais diferença se acordo mais cedo, pois agora quando abro os olhos no domingo de manhã, sei que está chegando em casa para fechar os seus. O que mudou foi só sua vontade de continuar deitando e morando no meu peito. 

O apartamento parece bem maior agora. Sem seus passos da varanda para a cozinha, entre um cigarro e uma fome incontrolável de sabe se lá o que. A cama ficou tão pequena que até quando me encolho no frio, não tem espaço para mais nada. 

Quando entramos nessa história de vamos ser felizes para sempre, não queria que pensasse que seríamos felizes sempre. Tem dias que o amor bate mais fraco, noutros, o amor sequer bate. Só não pensei que seu amor, iria bater em outra porta.

A verdade é que fomos embora. Sem olhar para o outro lado da estação e ver se chegaria o próximo metrô, quem sabe um mais vazio, onde desse para se despedir olhando nos olhos ao invés de ser levado pela multidão. Entramos no primeiro e por portas diferentes.

Sou aquele cara que sempre te indicará bons filmes e livros, mas não consegue te acompanhar nas noites de bebedeira e talvez seja melhor ir embora mais cedo, antes que perceba antes de mim, que ali não é o meu lugar. Sou aquele rapaz que te protege, enquanto você diz com o rosto coberto de lágrimas, que não chora por ninguém, e que percebeu antes de mim, que ali não é o meu lugar.


Uma pena que,

no fundo,

a gente sabe que era.








sábado, 25 de abril de 2015

O sol se ergueu e me acordou juntamente com ele. A cortina esquecida aberta, dispensando qualquer forma de escuridão do quarto e mesmo assim um sorriso pela manhã. Fechei rapidamente, suspirei fundo e olhei para trás como se não acreditasse na realidade. O sorriso voltou e deitei sem pressa. O tempo passava sem pressa. 

Como é bom ter a sorte de um amor tranquilo. 

Como é bom ter a sorte de viver e ainda ser surpreendido. 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

É o mundo que me cospe

O trabalho me cansa. A rotina me quebra. Nos olhos de meus amigos, consigo ver o mesmo desespero. Ninguém está nesse mundo para fazer corpo mole, a vida foi feita para nos bater. E bate com força.

Sou dono de praticamente trezentos e dezoito livros. Tenho coleção de DVD's, bonecos de ação, canecas e até mesmo mulheres. Quem entra na minha casa consegue perceber cada objeto, cada perfume. Quando decidi ao certo que era infeliz, não posso dizer. Até mesmo pelo motivo de que sempre saí por aí sorrindo, dando minha mão quando minha vida escorria pelos dedos. Gosto das pessoas, só não consigo conviver por muito tempo com elas. 

Melancolia. A angústia distorcida. 

Larguei todas minhas coisas para trás. Deixei um pequeno texto feito com caneta de ponta fina, e com folha de papel chamex em cima da escrivaninha. Entreguei no texto meus livros para meus amigos, e meus pêsames a cada um pela sua perda. Minha perda.

Larguei a cidade que crescia com maior valorização a cada ano. Retirei cada centavo da minha poupança e fui embora conhecer o mundo. Quem diz querer conhecer o mundo, na verdade quer fugir da zona de conforto. A zona de conforto nos dilacera, faz com que tenhamos medo de descobrir quem a gente realmente é.

Passei frio. Fome. Peguei chuva e sofri insolação até minha pele implorar medicação. Morei na praia por seis meses. Conheci gringos, crianças sem pai e mãe, a solidão. Descobri que tocar violão é mais simples do que se pensa, e aprendi isso com um mendigo que morou comigo por quatro meses. Formado em filosofia e psicologia, dizia que a loucura do mundo é não aceitar os loucos. Quando foi embora, disse apenas que estava cansado da calmaria do mar e das plantas, e precisava lembrar de como o mundo é cruel. Foi embora para a cidade, largou o violão ao meu lado e um sorriso sem dentes em meu coração.

Quando chegou a temporada na praia, fui para uma cidade de interior do Norte, onde as multidões não se concentravam em gastar dinheiro. Nessa pequena cidade, conheci um casal de velhinhos que nunca conheceu a realidade pesada das cidades grandes, e sabia bem o que era sentir paz. Conversavam gritando um com o outro, mas me respondiam com as mãos entrelaçadas. Era automático, nem sequer notavam. Todo dia pela manhã me entregavam um pedaço de pão, e me pediam para tocar Chico Buarque no violão. 

Passei por sítios, fazendas, praias, matagais, cidades com prédios imensos e somente com uma mochila nas costas. Meu dinheiro havia acabado há algum tempo, e só precisei dele neste tempo para comer. Com a falta de dinheiro notamos a bondade das pessoas. Quem estende uma mão para te alimentar, te proteger da chuva, até mesmo para lhe dar um copo de água, não se importam com o que você tem na conta. A bondade existe, em fim.

Hoje moro em uma casa construída com pau e pedra, no alto de uma montanha. Tem um lago logo abaixo e banho não me falta. Com sementes de frutas e verduras que ganhei de um peão da fazenda, plantei no quintal e esperei o tempo. Matei alguns animais como alimento, fiz fogueiras sozinho, mas não sei mais nada sobre solidão. 

Minha rotina agora é acompanhar o vento para saber se vai chover.

Só então descobri que a vida não bate.

Nos ensina a viver. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

E o amor finalmente me vem brando, sem contradições. Percebe-se que só após o mar acalmar, que é possível se contar os grãos de areia. São muitos espalhados comigo junto ao chão. A revolta existe ainda. Necessidade de gritar, espernear, julgar o mundo insano por conseguir o que ele quer. Só que não dá para se revoltar todos os dias com seu reflexo no espelho, então engulo à seco todo esse amor, e preparo um café.

O telefone está ali. O computador jogado no sofá da sala. Sem sinal de esperança neste apartamento. Ouço apenas músicas instrumentais, pois assim  construo uma própria letra e não fico a imaginar relacionamentos perdidos. O que hoje em dia não está perdido?

Me matriculei na aula de violão e na academia, comprei roupas novas, pintei o cabelo e meu medo de avião será enfrentado pelas passagens que se encontram na gaveta do escritório. Quando a gente perde muito algo que gosta, o segredo é fazer algo que não se gosta tanto. E o amor finalmente me vem brando, sem contradições.

O que me preenche é saber que meus dias, apesar de lotados com faculdade, trabalho, compras e dietas,

ainda me resta um pouco de você

em cada canto que olhar.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Nossa terceira chance

Quero te levar para dançar. Não em lugares lotados, cheirando cerveja. Quero te levar para dançar na rua, correndo pela avenida vazia. Dançar sem ninguém ver. Dançar pulando e sorrindo. Como se só nós conseguíssemos existir. Só a gente existe.

Os planos de fugir para longe, ainda são seus. Me leva para o passado, me faz te sentir olhando para o chão enquanto fugia dos meus olhos. Amizade vira amor, não tente provar o contrário. Sei que não quer tentar.

Pegue seu cartão de crédito e compre duas passagens para outro país. Diz que não quer ouvir um não, que seu coração é fraco para receber outro não. Larga dele, tempo não quer dizer amor. Deixa sua vida de mesmice, e vira um só comigo. A gente é um só.

Me busca no seu carro e sai correndo para outro estado, não respeita minha opinião, me protege de você. Diz que quer minha proteção.

Não me manda arrumar outra pessoa pois mereço algo que me faça feliz. Tentei organizar minha vida, e veja só, coração em pedaços e sozinho outra vez. Tenta voltar nem que seja para ir embora comigo por alguns dias, quem sabe não queira voltar.

Nossos amigos dizem que não é mais a mesma, que o mundo virou seu maior desgosto. Te disse, minha menina, não me manda arrumar outra pessoa. Meu mundo é total desgosto também.

Te ouvi e arrumei alguém qualquer por aí, alguém que nem sequer olhou para trás.  Ouvi como sei que me ouve toda vez que se sente sozinha e me liga chorando pela madrugada. Largo meu coração em um canto qualquer e corro para qualquer lugar onde esteja, pois é lá que devo estar.

Não volte se não for para viajar pelo mundo, descobrir sorrisos e beber comigo em um motel qualquer. O corpo não aguenta mais tanta falta de carinho no mundo, meus olhos sofrem ao te ver sem onde ir.

Vem sem medo. Não me coloca no seu carro e me larga em casa como fez dessa última vez. Sobe comigo, insiste que sou uma idiota, mas que quer, me quer. Sei que você quer.

O mundo pode ser nosso.

Só desiste de tudo,


 e corre pra mim.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Sobre amor e outras dores

Ontem estava lendo um dos meus escritores preferidos, Fabrício Carpinejar, e fiquei imaginando razões para que hora ou outra, nos esquecemos de ir atrás das coisas que gostamos. Fazia meses que não visitava o blog empoeirado de sangue pulsando que Fabrício expõe. Cru. Visível. Sem espaços vazios. Logo de cara, veio o trecho:

"Amor é jamais anular a possibilidade do outro de errar. Mesmo que custe mágoa, dor, ódio. 


É se oferecer inteiro, podendo ser enganado a qualquer momento. É se doar inteiro, permitindo que nossa companhia demonstre, dia a dia, quem ela é.

Só se valoriza a escolha pelo tamanho da renúncia.

Só há intimidade com liberdade dentro.


Só o amor ingênuo é verdadeiro."

Ficou passando pela minha cabeça o quão simples foi para ele para cuspir essas palavras. Nada ali é aquém ao que é jogado na cara das pessoas todos os dias. E mesmo assim, insistem em acreditar no contrário ao que é dito acima. Creio que a maioria das pessoas renunciam à si mesmo quando jogam uma oportunidade de ser feliz fora. É a paciência das pessoas que se esvai. Hoje em dia é mais fácil trocar uma paixão por outra. Sem perguntar se todas as palavras agressivas, foram por medo. Ninguém no mundo sabe mais lidar com amores intensos, e os amores intensos, são as melhores experiências da vida. E as mais cruéis.


Engraçado é que ao mesmo tempo que se ama um autor, escritor, ou poeta, pode também discordar demasiadamente. Sem interferir na sua admiração. Ocorre isso diversas vezes com minha postura ao ler textos sexuais do Bukowski, por exemplo. Só que ainda falando de Carpinejar, que foi o motivo de começar toda essa análise em uma tarde chuvosa de sexta, é que ele possui opiniões generalizadas. Tais como:


"Ex é passado. Não precisa de nenhum ex. Se precisasse, ainda estaria com ele.

Ex não pode ser amigo. Nem melhor amigo. Nem confidente. Só se ele mudou de sexo."

Não, Fabrício! Não! Ex é sim passado, mas há de se precisar de alguém que fez parte da sua vida, vez ou outra. É o que há de mais bonito. Para recolher dores, fantasiar medos, ter um colo que já foi seu antes, mas que não é nada mais além do que isso. Um colo. Se o coração ainda pulsa, se não conseguimos ter um ex como amigo, recebe-lo com um sorriso, ah, não é ex... Ainda é desejo. Já recorri à vários ex's ao passar da minha vida. Seja para lamentos, seja para perguntar se a vida anda bem, seja para comentar sobre uma música antiga que era a trilha sonora, mas hoje só é isso, uma música antiga. Ter passado é bom, significa que algo valeu a pena. E amores, não podem ser tratados como escória.  Talvez Carpinejar pense como Chico, "Amores serão sempre amáveis, futuros amantes, quiçá." E veja só, que sofrimento há nisso?

O que mais agrada nos textos de Carpinejar, talvez seja o tapa na cara que é desferido. A discordância de opinião com o resto do mundo. E quem diz que o tempo resolve tudo, bem, talvez devesse mudar de opinião.

"Não deixo o tempo perdoar em meu lugar. Não darei a ele os créditos de minhas dores.
 tempo organiza, mas não define.
O tempo esfria, mas não cura.
O tempo estanca a hemorragia, mas não cicatriza.
O tempo elimina a carência, mas apaga o desejo.
O tempo acalma, mas não garante o entendimento.
O tempo adia as dúvidas, mas não consolida as certezas.
O tempo finge que avançamos, mas não saímos do lugar.
O tempo serve para diminuirmos a importância das ofensas, mas não resgata os elogios que não serão feitos."

http://carpinejar.blogspot.com.br/

sexta-feira, 27 de março de 2015

Não será eu

Quando pensei que não existia nenhum restinho de você dentro de mim, quando deslumbrei que o tempo, pouco tempo, havia melhorado tudo ao meu redor, e quando delirei que talvez fosse melhor realmente parar de chorar pelos cantos, sua notícia corre por todas as minhas veias e me faz ser essa menina fraca, isolada e com uma tristeza descomunal novamente.

A facilidade de ir embora, de largar em qualquer lugar como se fosse um guardanapo velho, e imaginar que, quem sabe, fique tudo melhor assim. A frieza, a força que tirou sabe se lá de onde para sair por aí, cantando felicidade, sorrindo pela fumaça do cigarro e vivendo uma vida que talvez seja a melhor para você. Conversando com pessoas vazias, se tornando uma pessoa vazia, sendo quem só me trará vergonha de sentir esse tal amor.

Temo que será a única que meu coração não vá querer voltar atrás. Foi tudo tão insensível, feito com tanta brutalidade sobre algo que não merecia tanta indiferença, e rezo, por Deus, rezo para que meu coração não queira jamais voltar atrás.

Pelas noites em claro que passei chorando e abraçando todos e cada um de meus amigos. Pelos dias em que quis parar tudo e sair do meu corpo só pra não sentir na pele. Pelas tardes de chuva que me forcei a sair e correr por não ter pra onde ir. Pelos remédios que tomei para dormir, e não consegui pegar no sono. E, principalmente, por tudo o que você jogou fora. Sem pensar sequer uma vez, também lhe desejo tudo que houver de melhor no mundo, mas é um alívio saber, que dessa e na próxima vez, não será eu.

domingo, 15 de março de 2015

Hoje, a partir, de

A partir de hoje, começarei à tomar café no sofá, sem fumaça de cigarro em meus cabelos. A partir de hoje, jogarei meu salto em um canto qualquer, limparei a maquiagem do rosto e não pensarei em usar tão cedo. Falarei que estou cansada e fecharei todas as portas da minha casa, do meu quarto, de mim. A partir de hoje, não ouço mais músicas tristes. Não ouço mais músicas felizes. Não quero fingir ser alegre, e não quero lembrar tanto sobre a tristeza. A partir de hoje, não irei engolir meus remédios com gosto de lágrimas. Não irei responder mensagens, tampouco, criá-las. Quero que passe longe de mim convites, cobranças, coração. 

A partir de hoje, não irei mais fazer comida, enlatados serão meu prato preferido. Meus gatos vão me ter vinte e duas horas por dia e meu cabelo vai crescer até as costas, pois não verei o tempo passar. A partir de hoje, vou ler todos os meus livros, estudar todas as apostilas, e entender quaisquer filmes. Não vou ter beijos em minha boca, mãos em minha pele ou peito colado no peito. Mandarei embora qualquer forma de possibilidade de amor. 

Não atenderei telefonemas, a partir de hoje. Não direi que estou com saudades ou que preciso ver alguém. Mandarei cobrir todas as minhas janelas com cortina preta e comprarei um novo cobertor. A partir de hoje, não mostro para ninguém os melhores restaurantes, não levo aos melhores lugares, ou planejo viajar para longe. A partir de hoje, mandarei as cartas feitas no computador para à lixeira e as escritas para o fundo do armário. Não aceitarei convites de festas, bares e filme em casa. Serei somente só, a partir de hoje.


A partir de hoje, não irei mais chorar, bem menos rir, mas ao menos, irei esquecer. 



sábado, 21 de fevereiro de 2015

Esporádico


Canto e conto de amores desde que nasci. Na escola fui a primeira a me apaixonar, e beijei mais cedo do que aprendi amarrar o sapato. Sofri mais que coração de gente grande, mas era opção. Sofrer é opção.

Nunca fui a melhor em nada, e sabia disso, por isso escolhi o amor.

Acredito que descobri sobre sentimentos com meu primeiro cachorro, os pais não sabem, mas as crianças são muito sozinhas. Meu cachorro deitava comigo na lavanderia em noites de festa barulhenta e me acompanhava quando ia almoçar sozinha no quarto. Meu primeiro pedido de desculpas, foi para ele. Se para os adultos assumir um erro é devastador, imagine só para uma pessoa de seis anos. Gritar com meu cachorro me fez descobrir o quão é difícil ter medo de perder. Então vi que amor é gritar, berrar, e se arrepender de ter feito isso, mas saber que vai fazer de novo, porque a vida não é sorriso todo dia. Bóris sabia que o amava, por isso mesmo quando eu estava de cara fechada, sempre veio me pedir comida na beirada da cama. 

Quando falamos de primeiro amor, sempre vem o amigo do prédio, a menina do pai bravo no outro lado da rua, ou algum esteriótipo que cada um e todos tem uma história para contar. 

Acredito no amor porque ele não se trata de pessoas.  As pessoas estão ali e dão veracidade ao amor, sai da utopia, foge do platônico. Os momentos estão ali para causar arrepios, sufocos, inverdades, pensamentos, ilusões. As histórias e lembranças que fazem virar a cabeça, querer fazer voltar atrás ou seguir em frente. 


Saio por aí falando sobre amor pelo fato dele viver em tudo que sinto. Nos meus amigos, nos meus gatos, no sorriso entregue à moça que limpa o chão onde trabalho, em uma cena de filme inesperada.

Ele vive na solidão. Na vontade de explodir e mandar a pessoa nunca mais aparecer por perto, e na vontade de ligar e pedir pra não ir embora tão cedo, não ir embora jamais.



Podem se espantar e até julgar pela minha vontade em acreditar no amor e ceder a mão, o braço, o corpo para quem precise.

Só que a vida tem dessas coisas:

Os tolos que não acreditam, e os tolos que dão graças aos céus por conseguirem acreditar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Bem me quer



Sempre fui apaixonada por plantas. Árvores, ramos, folhagens. Nunca entendi muito bem a atração das pessoas com rosas vermelhas e buquês recheados de boas intenções. Na verdade, uma só flor é o suficiente, o que me ganha. Guarde em um livro, diário ou no cabelo, uma flor basta. Apesar de gostar do verde, do ato grosseiro das plantações nascerem sempre pra cima, como se implorassem algo aos céus, tenho uma queda por orquídeas azuis. Ninguém nunca se lembra delas. Os girassóis são endeusados em músicas, as margaridas amadas pelas abelhas e as rosas o cardápio principal dos enamorados. As orquídeas, bem, elas só estão ali.

Apresento aulas de química para universidades e nunca soube muito bem pensar com a cabeça fora da lógica. Tudo sempre existiu tal como as fórmulas e compostos que existem nos livros. A vida com regras é mais segura, penso eu. 

No final do ano de 1999, quando despedi dos meus alunos do último ano, torcendo para que todos fossem felizes em suas carreiras, notei que um deles não se apressava para ir embora. Caminhando para minha mesa, entregou um envelope com apenas uma folha dentro e saiu. Meu coração gelou pois jamais permitiria tal ato, mas desta vez, não entrei em discórdia com o rapaz que levava consigo, apenas um caderno e uma caneta surrada de mordidas. 

Segurei o envelope com as duas mãos, e com o pensamento alto, comecei a ler.

"Não se assustes com o destino. Pense que sou como uma das árvores que observa quando sai do seu carro, talvez nunca tenha me notado, mas sempre estive ali. Prefiro não me importar com grandes gestos, visto que sua maior fraqueza provavelmente seja vinhos e compras de verduras na feira de domingo. Nunca fui homem o bastante para lhe cortejar, mas sempre fui muito cavalheiro para notar sua infelicidade e tentar anota-las para um dia, vencê-la com minha alegria. Olhe para mim, um rapaz que acabou de formar, mal sabe enfrentar o mercado de trabalho e já tentando lhe ganhar com poesias. Pois saiba, sei que teu amor não é fácil, e que não lhe ganharei com chocolates e presentes, mas na vida, o que se guarda são pedaços de papel manchados pelo tempo. Guarde com você, pra que um dia ele seja o motivo de te ter comigo."

No final da folha de caderno havia somente uma pétala vermelha, como se ao passar pela floricultura, alguém deixasse cair e o rapaz pegasse ao vento. Jamais gostei de rosas, do famoso clichê da vida, guardei em algum lugar da pasta e voltei a organizar minhas coisas. 

Hoje, após dezesseis anos de casada com o rapaz da folha de caderno, percebi que nenhuma pessoa ia adivinhar que adoro orquídeas, tampouco as azuis. Ninguém iria me entregar uma só flor e colocar no meu cabelo, para mais tarde, esquecê-la em um livro e deixa-lo jogado pelos cantos. 

O mundo não costuma ser perfeito, 

e mesmo que ele viva à repetir: "Nem tudo são flores", 

a folha de papel manchada pelo tempo,

insistirá em discordar.