segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Bem me quer



Sempre fui apaixonada por plantas. Árvores, ramos, folhagens. Nunca entendi muito bem a atração das pessoas com rosas vermelhas e buquês recheados de boas intenções. Na verdade, uma só flor é o suficiente, o que me ganha. Guarde em um livro, diário ou no cabelo, uma flor basta. Apesar de gostar do verde, do ato grosseiro das plantações nascerem sempre pra cima, como se implorassem algo aos céus, tenho uma queda por orquídeas azuis. Ninguém nunca se lembra delas. Os girassóis são endeusados em músicas, as margaridas amadas pelas abelhas e as rosas o cardápio principal dos enamorados. As orquídeas, bem, elas só estão ali.

Apresento aulas de química para universidades e nunca soube muito bem pensar com a cabeça fora da lógica. Tudo sempre existiu tal como as fórmulas e compostos que existem nos livros. A vida com regras é mais segura, penso eu. 

No final do ano de 1999, quando despedi dos meus alunos do último ano, torcendo para que todos fossem felizes em suas carreiras, notei que um deles não se apressava para ir embora. Caminhando para minha mesa, entregou um envelope com apenas uma folha dentro e saiu. Meu coração gelou pois jamais permitiria tal ato, mas desta vez, não entrei em discórdia com o rapaz que levava consigo, apenas um caderno e uma caneta surrada de mordidas. 

Segurei o envelope com as duas mãos, e com o pensamento alto, comecei a ler.

"Não se assustes com o destino. Pense que sou como uma das árvores que observa quando sai do seu carro, talvez nunca tenha me notado, mas sempre estive ali. Prefiro não me importar com grandes gestos, visto que sua maior fraqueza provavelmente seja vinhos e compras de verduras na feira de domingo. Nunca fui homem o bastante para lhe cortejar, mas sempre fui muito cavalheiro para notar sua infelicidade e tentar anota-las para um dia, vencê-la com minha alegria. Olhe para mim, um rapaz que acabou de formar, mal sabe enfrentar o mercado de trabalho e já tentando lhe ganhar com poesias. Pois saiba, sei que teu amor não é fácil, e que não lhe ganharei com chocolates e presentes, mas na vida, o que se guarda são pedaços de papel manchados pelo tempo. Guarde com você, pra que um dia ele seja o motivo de te ter comigo."

No final da folha de caderno havia somente uma pétala vermelha, como se ao passar pela floricultura, alguém deixasse cair e o rapaz pegasse ao vento. Jamais gostei de rosas, do famoso clichê da vida, guardei em algum lugar da pasta e voltei a organizar minhas coisas. 

Hoje, após dezesseis anos de casada com o rapaz da folha de caderno, percebi que nenhuma pessoa ia adivinhar que adoro orquídeas, tampouco as azuis. Ninguém iria me entregar uma só flor e colocar no meu cabelo, para mais tarde, esquecê-la em um livro e deixa-lo jogado pelos cantos. 

O mundo não costuma ser perfeito, 

e mesmo que ele viva à repetir: "Nem tudo são flores", 

a folha de papel manchada pelo tempo,

insistirá em discordar.