sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A gente não sabe dizer adeus




Cresci em uma família onde o amor era cantado em sambas e discos de LP. Tudo que era para ser aprendido e estudado sobre o tal amor, observava nos olhos de meu avô, enquanto olhava para a rua sem movimento e tomava sua cerveja de domingo.

Minha avó dizia que as músicas serviam apenas para alegrar as noites em salões de dança, mas meu avô nunca saia para dançar. Quando a música invadia a casa, todos os netos e filhos sabiam que era hora de sair dos quartos e acompanhar os passos acelerados de minha avó levando azeitonas e azeite para acompanhar a cerveja na varanda.

A tristeza de ser criança é que observamos o mundo com olhos novos e nem sempre temos explicação para isso. No sorriso daquele homem sentado na varanda, se passavam as letras das músicas, os dias em que pegou na mão de minha avó e beijou na frente do portão. Rugas de antigas namoradas que não viu envelhecer, tampouco sabia onde estavam. No sorriso de meu avô, com a agulha da vitrola arranhando o disco, se passava o tempo.

Anos depois, assim que meu avô morreu, a música continuou. 

Minha avó deixava ela por todas as partes e confessou não ter mais idade para ir em salões de dança. Como se confessasse ao mundo, que não havia mais motivos para se alegrar.

Hoje, nos olhos de minha avó, consigo ver as rugas de meu avô, a época em que namoravam de mãos dadas no pátio da escola e se beijavam em frente ao portão. Enquanto toca Noel Rosa, consigo sentir o cheiro de peixe assando no forno e percebo vidros de azeitona e azeite fechados na dispensa. 

Tento não sair de perto, mas toda vez que percebo em seu olhar as lembranças de meu avô, pergunto se não quer que vou até a padaria comprar pão.

 Lembranças precisam de solidão.

O amor nasce em todo lugar. Em uma rosa morta no chão que vai para o cabelo de uma menina. No suspiro nervoso e na vontade de desistir ao dizer "sim" na hora do casamento. O amor está até mesmo nas canções e histórias tristes do passado. 

O amor está em cada letra de música que consola um coração como o de minha avó, que após cinquenta anos de casada, teima em repetir os versos da mesma música ecoando pela casa vazia.

"Naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele, tá doendo em mim."

Dói em mim também, minha velha. Dói em mim também.